terça-feira, 2 de dezembro de 2014

A CONQUISTA DA REDENÇÃO

-Com licença, posso sentar?... Bonito dia!...O banco de praça é o melhor local para percebermos a primavera. Mas também não é em qualquer praça, pois é preciso que haja jardins para florirem, árvores e pássaros. Lamentavelmente a maioria de nossas praças, hoje em dia, não têm nem bancos. As gramas e capins são o máximo de contato com o verde que os modernos urbanistas planejam para as nossas crianças... Peço que me desculpes, mas nem sempre sou tão falante assim. Em verdade sou até bem calado, tímido mesmo. Talvez seja a primavera e este céu de brigadeiro que, especialmente hoje, me trazem lembranças dos meus primeiros passeios por este parque. Quando criança vinha em companhia da minha mãe para ver os bichos do mini-zoológico. Eu era louco pelos macacos, por andar nos pedalinhos do lago e por dar pipoca para as carpas. Era tempo dos bondes ainda; parece mentira, mas já passei muitas vezes de bonde por aqui. Havia uma rua que atravessava o parque por ali, na altura da   República, desde a João Pessoa até a Oswaldo Aranha. Depois construíram o Túnel da Conceição, o homem foi à lua, os bondes sumiram, e eu passei a vir neste parque para alugar bicicleta para aprender a andar...
 -Talvez eu esteja sendo chato, inoportuno até. Mas alguma coisa me diz que o teu coração está triste, carente de um papo louco para descontrair. Eu sei bem do que são capazes as tristezas desta vida, por isto mesmo aprendi a buscar a mensagem positiva das histórias contadas. Sabe, na minha pré-adolescência não tive nenhuma namorada, não era esta facilidade de hoje. A gente tinha que se virar literalmente sozinho. Como estimulante visual costumava frequentar, nesta época, aquele gramado com arbustos que fica lá, entre o Auditório Araújo Viana e o chafariz, para ver os casais de namorados que, aos domingos, transformavam aquele recanto na Praça dos Prazeres Amorosos. Embaixo de cada arbusto hospedava-se um casal, como se fossem motéis ao ar livre, sem a privacidade necessária para irem às últimas consequências. Depois, já adolescente, vinha para a Redenção nos fins de semana para caçar namoradas. Nunca fui muito eficiente nisto, mas foi aqui que conheci a menina com quem tive a minha primeira transa. Foi uma coisa meio atrapalhada, meio acidentada, mas que finalmente aconteceu. Não aguentava mais me virar sozinho! Nesta época também jogava bola nos campinhos de areião do Ramiro Souto, nas típicas peladas do pessoal que ia chegando e se escolhia "tantos pra cada lado". Ramiro Souto é nome oficial daquele parque esportivo que tem lá do lado do Auditório Araújo Viana, perto do parquinho de diversões. Lembro muito bem de duas figuras lendárias, operários da recreação pública, que trabalhavam naquele parque: O Marechal, que era o instrutor da garotada, e a Tia, uma querida preta velha que acompanhava os velhos e os novos frequentadores...
-Não penses que toda esta conversa é apenas uma cantada desajeitada de um quarentão numa linda mulher triste num banco de praça, é muito mais. Este é um momento mágico e pré-destinado astrologicamente, o destino nos reuniu aqui. Como lembraremos deste momento, quando formos velhinhos, se nossos caminhos se unificarem? E se nossos caminhos nunca mais se cruzarem, será que lembraremos deste momento?... Sabe, há momentos em que o mundo parece rodar mais rápido. Foi o que aconteceu a partir da minha adolescência, veio o movimento hippie e me arrastou: Woodstock, drogas e rock-in-roll. Assim mesmo, quando não estava com a mochila nas costas e o pé na estrada, vínhamos curtir a lua e tocar violão nestes bancos da periferia da Redenção, nosso Central Park, uma verdadeira conquista urbana da comunidade. A violência era menor, não tínhamos medo da noite. Na madrugada íamos comer um cachorro quente especialíssimo no "Zé do Passaposte", lá na ponta do Mercadinho do Bom Fim. Tudo na maior "paz, amor e liberdade"...
 -Depois, tu sabes, fomos ficando iguais aos nossos pais, responsáveis e tristes pelos bancos das praças da vida. Casei. Não sei se é este o teu problema, mas foi o meu durante um longo tempo. Evidente que houve um período bom em que vínhamos juntos à Redenção, ao Recanto Chinês, e namorávamos acintosamente em público. Com o tempo não namorávamos mais nem na intimidade, apenas saciávamos nossos apetites biológicos. Sem fé em seres superiores, busquei consolo na militância política. Época da redemocratização do país e da efervescência sindical, quando realizamos grandes assembleias dos municipários no Araújo Viana. Inclusive houve uma assembléia com a presença do último prefeito nomeado pela ditadura, o João Dib,  que ficou muito surpreso ao ser enfrentado e saiu literalmente corrido do auditório. Na campanha eleitoral da primeira eleição direta para governador o Brique da Redenção já se constituía num pólo de aglutinação das vanguardas políticas da cidade, onde concentrávamos nossas atividades de agitações dominicais...
-Foi por ali, também, nos áureos tempos do Bar Escaler, que assisti pela primeira vez um casal homossexual masculino, aos longos beijos de língua, naturalmente, em uma mesa ao lado... Seus olhos são verdes? Castanhos?! São bonitos, expressivos. Seu sorriso também, é contagiante. Deves sorrir mais freqüentemente. Tudo bem, não precisa encabular. Sinceramente confesso que estou nervoso, não consigo parar de falar e, ao mesmo tempo, não consigo falar o que realmente eu gostaria de te dizer... Sabe, havia um mini-zoo que ficava lá na beira dos prédios da faculdade. Durante o meu curso de engenharia, nos recreios e nos períodos vagos das aulas de química e física, costumava vir fumar curtindo os animais no parque. Mas concluíram que lá havia muita poluição e que o tráfego dos veículos prejudicava a saúde dos bichos e, por isto, sumiram com os bichos do Parque da Redenção, dito Farroupilha. Aquele local antigo era interessante pelo fato de permitir que as crianças vissem bichos de verdade fora dos seus games e que os passageiros dos ônibus pudessem observar, diariamente, macacos, araras e lobos antes de irem para o trabalho...
- Não és casada? Pois eu já fui. Ainda bem que aprovaram o divórcio neste país, pois assim podemos repetir o erro até acertar, até encontrarmos a outra metade, a alma gêmea complementar. Apesar de nem se usar mais casar, resta sempre o recurso do divórcio para quando se cai em tentação. Como vês, estou disponível e carente nesta busca da companheira ideal, saindo a campo quando recebo uma sinalização positiva da minha intuição. Quer dizer...estou disponível em parte. Tenho duas filhas, com as quais costumo frequentar a Redenção, para andar de trenzinho e brincar no parque de diversões, repetindo o ciclo da vida portoalegrense com a nova geração...Sabe, eu gostaria de te convidar para tomarmos um sorvete no Lamby's, lá perto do Luar, mas estou achando que vou passar o resto do dia falando sozinho e que não vai dar em nada...??? -Uau!... Você sabe ser sintética e convincente. Este beijo que você me deu eu não vou esquecer nunca mais: IABADABADUUU!...