domingo, 9 de março de 2014

FRONTEIRAS DAS APTIDÕES

            Faz de conta que havia um Criador, um ser abstrato capaz de criar tudo do nada. Um ser muito criativo, cheio de ideias  geniais para inventar designers de coisas, vegetais e animais... Ouvi esta frase quando eu, nervoso buscava a minha primeira entrevista cobrindo um evento como estudante de jornalismo, me aproximando da mesa onde os palestrantes do Fórum Fronteiras do Pensamento tomavam cerveja e conversavam descontraidamente, dando altas risadas. - Desculpem, senhores. Assisti vocês lá no Fórum, na palestra sobre “Quatro Fronteiras do Pensamento em Debate”, e precisava  fazer umas perguntinhas, não é pra sair em nenhum jornal, é apenas uma tarefa de campo de uma disciplina do primeiro semestre da faculdade de jornalismo...
            Perfeito, exclamou o teólogo que estava falando sobre a hipótese do Criador quando eu cheguei. Vejo que  nos foi enviado pelos céus o mediador para ouvir os nossos argumentos e  ponderar conclusivamente, como sendo uma tarefa de uma matéria jornalística informativa, qual das quatro fronteiras do pensamento representadas nesta mesa apresenta maior utilidade prática para o homem pós-moderno globalizado. Todos pareceram adorar a sugestão e de imediato me ofereceram uma cadeira, quando dei por mim estava sendo o alvo de convencimento daqueles renomados pensadores.
            O palestrante da Fronteira do Ativismo Social já foi organizando o  evento na mesa de bar. - O jovem estudante deverá, ao final do debate, indicar qual a fronteira e o palestrante vencedor, cujo prêmio será o de pagar a conta de toda a mesa, como uma representação simbólica do ônus que terá por ser a solução do mundo. Garçom, por favor, traga mais duas geladas e um sanduíche aberto. Seguiu com a palavra o representante da Fronteira Religiosa do Sagrado que lançou o desafio...
           No início pensei em ir anotando no meu caderninho os principais argumentos de cada palestrante, mas confesso que logo no primeiro orador percebi que eram muitas informações para pouco caderninho, e que me faltaria a rapidez de um taquígrafo para transcrevê-las. Mas quando o representante da Fronteira Científica discorreu sobre o evolucionismo das espécies,  e o representante da Fronteira Filosófica analisou os limites do pensamento humano, e de como os homens tinham criado Deus, então percebi que eles tinham escolhido o mediador errado. Na teoria, um jornalista deve ser imparcial e relatar de maneira neutra os fatos e eventos, nunca julgá-los; muito menos  indicar qual é a melhor solução para o mundo!
          Horas depois, com alcoolizados debates entre petiscos e batatas fritas, todos olharam para mim e perguntaram o meu veredicto. Até tentei demonstrar que tinha captado o essencial de cada fronteira: Na Fronteira do Sagrado, pela lei da causa e efeito, se tudo tem uma causa, qual a causa primeira de tudo?  Retroagindo indefinidamente na série de causas se chegaria ao Criador. Por outro lado, se tudo tem uma finalidade, a vida humana tem a função de prestar contas com o seu Criador no final. Faz algum sentido...
Mas a Fronteira Científica coloca este retroagir na série causal das coisas como uma evolução infindável das espécies, desde os estágios de micro-organismos até aos gigantescos dinossauros, da ameba aos complexos macacos e daí aos seres humanos.  A existência de matéria maciça poderia ser explicada pela ironicamente chamada “partícula de deus”,  surgida logo após o Big Bang criador do mundo, com a capacidade de  aglutinar os produtos subatômicos da explosão, partícula esta  que já está sendo detectada através dos novos avanços tecnológicos. Sondas espaciais rastreiam as fronteiras do universo, descobrindo a cada dia novos planetas em  bilhões de estrelas que indicam a possibilidade de não estarmos sozinhos no infinito espaço cósmico. Somos apenas poeira de estrelas! Também faz sentido...
Por sua vez, a Fronteira Filosófica percebeu, por um lado, que jamais saberemos como as coisas de fato são, pois tudo o que percebemos é mediado pelo pensamento que  é fruto das pré classificações simplificadas feitas pela mente. Do olhar, do tato, do olfato, da audição e do paladar, dos cinco sentidos as informações vão para a mente que processa os pensamentos possíveis de acordo com o banco de dados disponível: é o limite do pensamento humano. O máximo que conseguimos é imaginar o que as coisas são a partir dos dados coletados por nossos limitados sensores. Por outro lado, com o domínio científico da modernidade, filosoficamente o homem matou o deus que ele próprio havia criado para preencher o elo da “causa primeira” que faltava. Mas embora o homem-criador tenha matado a sua criatura-deus com a aceitação e vigência universal da teoria da evolução das espécies,  o homem nunca mais conseguiu se libertar da dependência desta bengala de ter um ser Divino  de apoio espiritual em vida, bem como de consolo compensatório diante do medo dos mistérios da morte, optando por uma vida de niilismo neste mundo. Faz muito sentido...
Quanto à pragmática Fronteira do Ativismo Social, que envolve a política e suas ideologias, pelo o que consegui entender, é uma fronteira que ainda tem como sua estrela  maior a democracia, prática inventada na Antiguidade Grega. Em que pese as várias contestações havidas recentemente em praças públicas de diversos países europeus, e também nos EUA e no Brasil; para uma grande parcela  da população mundial ela recém começa a ser uma aspiração real a ser conquistada em revolucionários movimentos populares de rua a partir da chamada “Primavera Árabe”. Contudo, como democracia implica em políticos eleitos (que se profissionalizam na atraente carreira de quem  pode definir seus próprios salários), como eleição envolve altos custos financeiros que exigem cooptação de capitalistas para serem patrocinadores das campanhas, o sistema democrático se transformou em meras  disputas publicitárias da venda enganosa de um produto artificialmente maquiado, no caso, o candidato ao cargo político. A superação deste impasse do sistema democrático é a Fronteira do Ativismos Social em que atuam voluntários em ONGs por todo mundo, buscando canalizar diretamente para as comunidades carentes os recursos públicos, sem passarem necessariamente pelos abutres da burocracia e sem se desperdiçarem na politicagem do democratismo. Faz muito sentido também...
Sim, e daí? - Os quatro pensadores me perguntavam levantando as sobrancelhas e arqueando os ombros – Vemos que captou o essencial de cada proposição, mas qual é o veredicto: Quem vai pagar a conta?
...Não vou me omitir da missão que me foi dada, mas  antes quero  agradecer aos senhores por esta oportunidade que para mim foi uma lição que vai mudar a minha vida. Fundamentalmente compreendi que não existe o jornalismo neutro, saquei que uma reportagem ou assume a defesa de um lado para contestar os outros, ou não é notícia, é literatura. Esta sim pode contemplar igualmente todos os pontos de vista. Assim, os senhores me fizeram perceber que estou fazendo o curso errado. Não farei sobre este encontro um relato noticioso, farei um conto literário em que somos os personagens, nele reconhecerei a utilidade das “quatro fronteiras” para o homem pós-moderno globalizado. Tanto que vou imediatamente providenciar a minha transferência do Curso de Jornalismo para o de Letras. Portanto, o que faz mais sentido é eu  me declarar o vencedor deste debate, pois nele encontrei a melhor solução para o meu mundo. Como tal, vou pedir mais uma rodada de cervejas e pagar a conta de todos vocês, o que farei com muito prazer em comemoração ao meu avançar numa nova fronteira de aptidão!