Faz de conta que havia um Criador, um ser
abstrato capaz de criar tudo do nada. Um ser muito criativo, cheio de ideias geniais para inventar designers de coisas,
vegetais e animais... Ouvi esta frase quando eu, nervoso buscava a minha
primeira entrevista cobrindo um evento como estudante de jornalismo, me
aproximando da mesa onde os palestrantes do Fórum Fronteiras do Pensamento
tomavam cerveja e conversavam descontraidamente, dando altas risadas. -
Desculpem, senhores. Assisti vocês lá no Fórum, na palestra sobre “Quatro Fronteiras
do Pensamento em Debate”, e precisava
fazer umas perguntinhas, não é pra sair em nenhum jornal, é apenas uma
tarefa de campo de uma disciplina do primeiro semestre da faculdade de
jornalismo...
Perfeito, exclamou o teólogo que estava
falando sobre a hipótese do Criador quando eu cheguei. Vejo que nos foi enviado pelos céus o mediador para
ouvir os nossos argumentos e ponderar
conclusivamente, como sendo uma tarefa de uma matéria jornalística informativa,
qual das quatro fronteiras do pensamento representadas nesta mesa apresenta
maior utilidade prática para o homem pós-moderno globalizado. Todos pareceram
adorar a sugestão e de imediato me ofereceram uma cadeira, quando dei por mim
estava sendo o alvo de convencimento daqueles renomados pensadores.
O
palestrante da Fronteira do Ativismo Social já foi organizando o evento na mesa de bar. - O jovem estudante
deverá, ao final do debate, indicar qual a fronteira e o palestrante vencedor, cujo
prêmio será o de pagar a conta de toda a mesa, como uma representação simbólica
do ônus que terá por ser a solução do mundo. Garçom, por favor, traga mais duas
geladas e um sanduíche aberto. Seguiu com a palavra o representante da Fronteira
Religiosa do Sagrado que lançou o desafio...
No início pensei em ir anotando no meu
caderninho os principais argumentos de cada palestrante, mas confesso que logo
no primeiro orador percebi que eram muitas informações para pouco caderninho, e
que me faltaria a rapidez de um taquígrafo para transcrevê-las. Mas quando o
representante da Fronteira Científica discorreu sobre o evolucionismo das
espécies, e o representante da Fronteira
Filosófica analisou os limites do pensamento humano, e de como os homens tinham
criado Deus, então percebi que eles tinham escolhido o mediador errado. Na
teoria, um jornalista deve ser imparcial e relatar de maneira neutra os fatos e
eventos, nunca julgá-los; muito menos
indicar qual é a melhor solução para o mundo!
Horas depois, com alcoolizados debates
entre petiscos e batatas fritas, todos olharam para mim e perguntaram o meu
veredicto. Até tentei demonstrar que tinha captado o essencial de cada
fronteira: Na Fronteira do Sagrado, pela lei da causa e efeito, se tudo tem uma
causa, qual a causa primeira de tudo?
Retroagindo indefinidamente na série de causas se chegaria ao Criador.
Por outro lado, se tudo tem uma finalidade, a vida humana tem a função de
prestar contas com o seu Criador no final. Faz algum sentido...
Mas a Fronteira Científica
coloca este retroagir na série causal das coisas como uma evolução infindável
das espécies, desde os estágios de micro-organismos até aos gigantescos
dinossauros, da ameba aos complexos macacos e daí aos seres humanos. A existência de matéria maciça poderia ser
explicada pela ironicamente chamada “partícula de deus”, surgida logo após o Big Bang criador do
mundo, com a capacidade de aglutinar os
produtos subatômicos da explosão, partícula esta que já está sendo detectada através dos novos
avanços tecnológicos. Sondas espaciais rastreiam as fronteiras do universo,
descobrindo a cada dia novos planetas em
bilhões de estrelas que indicam a possibilidade de não estarmos sozinhos
no infinito espaço cósmico. Somos apenas poeira de estrelas! Também faz
sentido...
Por sua vez, a Fronteira Filosófica
percebeu, por um lado, que jamais saberemos como as coisas de fato são, pois
tudo o que percebemos é mediado pelo pensamento que é fruto das pré classificações simplificadas
feitas pela mente. Do olhar, do tato, do olfato, da audição e do paladar, dos
cinco sentidos as informações vão para a mente que processa os pensamentos
possíveis de acordo com o banco de dados disponível: é o limite do pensamento
humano. O máximo que conseguimos é imaginar o que as coisas são a partir dos
dados coletados por nossos limitados sensores. Por outro lado, com o domínio
científico da modernidade, filosoficamente o homem matou o deus que ele próprio
havia criado para preencher o elo da “causa primeira” que faltava. Mas embora o
homem-criador tenha matado a sua criatura-deus com a aceitação e vigência
universal da teoria da evolução das espécies,
o homem nunca mais conseguiu se libertar da dependência desta bengala de
ter um ser Divino de apoio espiritual em
vida, bem como de consolo compensatório diante do medo dos mistérios da morte,
optando por uma vida de niilismo neste mundo. Faz muito sentido...
Quanto à pragmática
Fronteira do Ativismo Social, que envolve a política e suas ideologias, pelo o
que consegui entender, é uma fronteira que ainda tem como sua estrela maior a democracia, prática inventada na
Antiguidade Grega. Em que pese as várias contestações havidas recentemente em
praças públicas de diversos países europeus, e também nos EUA e no Brasil; para
uma grande parcela da população mundial ela
recém começa a ser uma aspiração real a ser conquistada em revolucionários
movimentos populares de rua a partir da chamada “Primavera Árabe”. Contudo,
como democracia implica em políticos eleitos (que se profissionalizam na
atraente carreira de quem pode definir
seus próprios salários), como eleição envolve altos custos financeiros que
exigem cooptação de capitalistas para serem patrocinadores das campanhas, o
sistema democrático se transformou em meras
disputas publicitárias da venda enganosa de um produto artificialmente
maquiado, no caso, o candidato ao cargo político. A superação deste impasse do
sistema democrático é a Fronteira do Ativismos Social em que atuam voluntários
em ONGs por todo mundo, buscando canalizar diretamente para as comunidades
carentes os recursos públicos, sem passarem necessariamente pelos abutres da
burocracia e sem se desperdiçarem na politicagem do democratismo. Faz muito
sentido também...
Sim, e daí? - Os quatro
pensadores me perguntavam levantando as sobrancelhas e arqueando os ombros – Vemos
que captou o essencial de cada proposição, mas qual é o veredicto: Quem vai pagar
a conta?
...Não vou me omitir da
missão que me foi dada, mas antes
quero agradecer aos senhores por esta
oportunidade que para mim foi uma lição que vai mudar a minha vida.
Fundamentalmente compreendi que não existe o jornalismo neutro, saquei que uma reportagem
ou assume a defesa de um lado para contestar os outros, ou não é notícia, é
literatura. Esta sim pode contemplar igualmente todos os pontos de vista.
Assim, os senhores me fizeram perceber que estou fazendo o curso errado. Não
farei sobre este encontro um relato noticioso, farei um conto literário em que
somos os personagens, nele reconhecerei a utilidade das “quatro fronteiras”
para o homem pós-moderno globalizado. Tanto que vou imediatamente providenciar a minha
transferência do Curso de Jornalismo para o de Letras. Portanto, o que faz mais
sentido é eu me declarar o vencedor deste
debate, pois nele encontrei a melhor solução para o meu mundo. Como tal, vou pedir
mais uma rodada de cervejas e pagar a conta de todos vocês, o que farei com
muito prazer em comemoração ao meu avançar numa nova fronteira de aptidão!
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