O
Brasil é o oitavo país com mais casos de suicídios, segundo a Organização
Mundial da Saúde (OMS). O Estado do Rio Grande do Sul apresenta a maior
incidência de suicídios do país, mais de mil casos por ano. Entre as capitais, Porto Alegre apresenta o
maior índice de suicidas. Este assunto é tabu na mídia, desde a publicação do
livro O Sofrimento do Jovem Werther,
de Goethe em 1774, em que o herói se mata e que teria incentivado uma onda de
suicídios entre os jovens europeus. Recentemente o assunto esteve na mídia
mundial com o ator de cinema americano Robin Williams, que ganhou o Oscar de
melhor ator coadjuvante pelo filme Gênio Indomável, e protagonizou outros
tantos sucessos, como Amor Além da Vida e Sociedade dos Poetas Mortos, que aos
63 anos cometeu suicídio por enforcamento. O meu interesse, como integrante que sou de um
grupo de alto risco (por ser gaúcho, portoalegrense e idoso), é focar no fato
de que a maioria das pessoas que cometem suicídio tem mais de 50 anos, e que os
homens comentem o dobro de suicídios do que as mulheres. Sou, portanto, um
suicida em potencial?
No
ano passado o grande ator Walmor Chagas, gaúcho e idoso como eu, aos 82 anos de
idade suicidou-se em sua chácara, com um tiro na cabeça. Segundo o psicanalista
Mário Corso, uma das razões do silêncio sobre o tema do suicídio é por temermos
a pergunta radical que é feita pelos que desistem: por que mesmo vale a pena
seguir vivendo? No caso, o suicídio foi
por depressão na velhice extrema. Walmor vivia praticamente isolado. Enxergava
mal, tinha dificuldades para andar, se alimentava pouco e precisava da ajuda de
empregados para executar tarefas cotidianas. As limitações típicas da velhice
são o principal detonador dos casos de depressão entre idosos. Em alguns casos,
a pessoa requer auxílio até para fazer a própria higiene. É uma fase de difícil
aceitação, e há quem jamais a aceite e recorra a atitudes extremas para escapar.
Até
os 85 anos a minha mãe, Dona Ciça, ainda mantinha a sua casa, morando sozinha e
sendo o centro de convergência dos filhos, netos e bisnetos dispersos pelo
mundo. Até que tonturas e vertigens breves incutiram o medo de ela ficar
sozinha no apartamento durante as noites; depois alguns lapsos eventuais de
esquecimentos de panelas no fogão com o fogo aceso foram minando a segurança da
viúva matriarca. Então Dona Ciça passou a viver num pensionato de idosas, como
num apart-hotel, ainda mantendo um espaço privado com suas coisas num cômodo
amplo, e compartilhando com outras velhinhas as áreas comuns de banheiros e
refeitório. Livre das tarefas domésticas de fazer compras, estocar alimentos,
cozinhar e fazer faxinas, finalmente quem sempre serviu passou a ser servida.
Contudo,
sem ter acesso mais ao fogão, a Dona Ciça perdeu o domínio do fogo, o que foi
bastante simbólico na decrepitude de uma ex-cozinheira de restaurante. A surdez
foi fazendo com que ela não conseguisse mais acompanhar as tramas das telenovelas
nem as conversas em volta de si (mesmo com um aparelho auditivo). A catarata foi
lhe roubando a visão e limitando a sua capacidade de fazer crochê e de ler o
jornal diariamente, atividades que eram as suas ocupações prediletas.
A
Dona Ciça resiste em aceitar que perdeu completamente a autonomia sobre o seu
próprio corpo, até mesmo das funções fisiológicas. Resiste em se adaptar à
circunstância de ser cuidada, banhada, vestida, conduzida, alimentada, medicada
e deitada por estranhos que determinam quando e como deve sentar, levantar ou
deitar. Diante da resistência da Dona Ciça, na maior parte do tempo lúcida, mas
com algumas alucinações e crescentes apagamentos de memória, sempre lembro a
todos os meus irmãos que devemos aproveitar esta experiência da revolta e indignação
dela como um aprendizado para as nossas vidas: todos já somos idosos (eu sou o
caçula) e estamos no rumo da velhice extrema. Pra lá vamos!
A tragédia silenciosa de envelhecermos ao extremo nos transformará a todos em potenciais suicidas?...