Avançar é o curso natural do rio em sua
nascente, o rio quer vivenciar todos os recantos e paisagens antes de se
espraiar em um lago calmo e sereno ou, quiçá, num agitado e amplo oceano. Da
mesma forma é a natureza dos relacionamentos amorosos na sua nascente da
paixão, quer ocupar todos os espaços, movimentos, pensamentos, lembranças e
sonhos. Mudar o curso natural dos
elementos, tanto geológicos como humanos, é uma obra que exige domínio técnico,
não só de engenharia e psicologia, mas principalmente das potencialidades
erosivas dos meandros dos fluxos da vida no tempo. Reter o avançar do rio significaria exercer com
determinação a nossa inteligência emocional para reprimir, nas cheias do amor
nascente, as inundações vazantes para fora do leito planificado, bem como os
desvios do seu curso natural. Para tanto, é preciso que se tenha domínio de parâmetros
norteadores de limites e de direção em nossa bússola emocional.
O paradoxo é que só o extremo senil do rio
conhece o seu estuário destino, onde sedimentará todo o material que arrastou
pelo caminho. Por sua vez, o extremo nascente do rio acredita que quanto mais
novos caminhos abrir mais material terá para depositar no seu delta final, para
o qual certamente todos os meandros convergem, sem saber aonde nem como. Assim,
avançar no fluxo da correnteza da emoção é um estado compulsivo de ser e estar,
é só surfar na onda. Todavia, apesar de toda esta apologia do Avançar, quero realmente tratar das
dificuldades do Recuar contra o fluxo
do rio após as inundações e os desvios de rota normais já terem ocorridos. De como o ímpeto da paixão cria hábitos de
convivências intensas, de como os hábitos de convivências criam necessidades e
de como estas criam dependências, isto tudo já é um mecanismo de desvios
conhecido por todos. Entretanto, após detectado o desvio, estando de posse dos
parâmetros a serem corrigidos pela nossa orientação emocional, é preciso não
apenas nadar contra a correnteza, mas também ir represando o fluxo, o que é muito
difícil. Se fosse fácil não haveria tantas vãs tentativas e tantos divórcios
relâmpagos.
Para represar o fluxo de um relacionamento em
fagocitose (um engolindo o outro), muitas vezes é preciso recuar de casados
para o mecanismo de convivência dos namorados, e até de namorados recuarmos
para o estágio de amantes eventuais. Esses recuos estratégicos são geralmente
feitos com trovoadas e tormentas, pois há o medo de que queiramos recuar para o
período em que desconhecíamos que o outro existia, e que isso seja feito com as
tempestades e tufões que anunciam o fim de tudo. Geralmente nessa fase de se
“Recuar nas Rotinas Diárias”, os vazios e os sentimentos de rejeição são inicialmente
monstruosos, mas aos poucos passamos a nos liberar para ver os aspectos positivos
deste desgrudar-se, de ter uma rotina solo, própria, mesclados equilibradamente
com dias de rotina em conjunto, cada vez mais valorizados por não serem mais o rotineiro
padrão nosso de cada dia.
Naturalmente que sempre há a clássica recaída, a
de se voltar a conviver em todas as rotinas durante todos os dias, atraídos
pelos álibis mais variados, sobretudo pela
carência sexual que também é recuada em
seu aspecto quantitativo pelas ausências. Muito embora, em seu aspecto
qualitativo, o sexo até melhore o seu padrão,
por se constituir em conquistas e não em rotinas de self-service na cama do
quarto de dormir. Claro que também rola aqueles ruídos eventuais e atípicos em
que se deseja e não se consegue construir o clima, devidos aos ti-ti-tis de
discutir a relação para inserir a transa
sexual na agenda do dia. Mas são questões que são superadas, como fazem os namorados
ou amantes: abrindo novas alternativas neste recuo na intensidade da
convivência, criando novos espaços para que a intimidade conjugal não caia abaixo da performance sexual crítica e geradora de carências mútuas na dupla
evolutiva. O segredo é saber avançar curtindo o fluxo da correnteza da
existência conjunta, mas sempre dosando o recuar para que represe os sentimentos
mais profundo destes dois seres, preservando-os
como sendo um fetiche vitalizante do encontro amoroso entre eles. É quando o
avançar é recuar.
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