segunda-feira, 13 de outubro de 2014

O PACTO DE HARAQUIRI DOS NOSSOS FILHOS

A expressão colocada acima, no título do texto, terá sido um bom título se conseguir passar de antemão a ideia de que o texto vai tratar do seu título, ou seja, vai esmiuçar a conexão que o título deve ter com o conteúdo do texto. No caso aqui, o título parece indicar que o texto vai tratar sobre a morte, a partir do seu enfoque simbólico no haraquiri. Claro que a morte é um espectro muito amplo, vai desde as questões físicas e emocionais, até as transcendentais religiosas e as metafísicas filosóficas. “A Morte na Juventude”, por exemplo, propõe um tema bem diverso do que “A Morte na Velhice”, mas ambos títulos já seriam eficientes o bastante para restringirem a visada de modo a delimitar que um ou outro assunto o leitor iria encontrar na abordagem do texto.
Ainda assim, mesmo “A Morte na Juventude” pode tratar de inúmeros recortes, como as mortes de jovens causadas por doenças, ou por envolvimento com drogas em acidentes de trânsitos, em assassinatos, bem como por suicídios. Um bom título deveria fechar mais o foco, tipo assim: “A Morte por Suicídio na Juventude”, sob o qual o leitor esperaria encontrar informações estatísticas e geográficas da ocorrência deste fenômeno social. Com este título o leitor acharia natural ficar sabendo que no Rio Grande do Sul há o mais alto índice de suicídios do país, maior do que o dobro da taxa do Brasil, e que alguns municípios gaúchos têm índices superiores aos dos gelados e sombrios países escandinavos que são os campeões em depressão no mundo. Talvez o leitor até se alarmasse um pouco em saber que cerca de 25% dos suicídios praticados por aqui, na região do pampa e da “Estética do Frio” (onde a pressão por “ser alguém na vida” é maior, devido à influência da colonização europeia), são de suicidas jovens com menos de 30 anos.
Sob este título o leitor poderia ficar sabendo que muitos adolescentes manifestam em redes sociais a solidão e abandono em que se encontram, e anunciam que vão se suicidar, em gritos sem ecos, pois ninguém acredita ou entende. Ou que, pelo contrário, há casos de suicídios assistidos e incentivados pela internet.  O leitor talvez nem quisesse ficar sabendo dos detalhes sórdidos: que o consumo de pesticidas, o enforcamento e as armas de fogo são os métodos mais comuns adotados. Mas, passivo às informações textuais, pelo menos o leitor ficaria sabendo que esta é uma tragédia silenciosa que não dá nos jornais. Não há divulgação por tabu e por medo que notícias diárias de ocorrências acabem incentivando ondas de suicídios entre as tribos urbanas e entre os lavradores interioranos.


Recentemente, porém, este tabu foi rompido no caso de um pacto de suicídios entre adolescentes na serra gaúcha, quando a morte de duas meninas e o ferimento de outras três que cortaram os pulsos, ganharam as manchetes das capas dos jornais por vários dias. Naturalmente que os pais não notaram nada de estranho nos comportamentos das suas filhas e foram surpreendidos pela tragédia.  Uma notícia chocante assim nos faz perceber que ninguém está livre, com tantas atribulações em nossas correrias diárias por “comida, diversão e arte”, de sofrer esta cruel cilada do destino com um dos nossos próprios filhos. Deus nos livre e proteja, amém!
Suicídios são os haraquiris dos psicóticos tempos modernos globalizados, caro leitor, hoje realizados em rituais discretos. Nós, os pais nascidos na era do rádio e que vivemos desatentos entre tantas informações em rede, muitas vezes sequer percebermos as que realmente são relevantes para as nossas vidas no momento certo, só tardiamente quando Inês já é morta: e o diabo que nos carregue!
 Mas, analisando bem, o título sugerido “A morte por suicídio na juventude” não teria ficado muito bom, teria ficado mais para uma tese psiquiátrica ou policialesca. Sob o título de O Pacto de Haraquiri dos Nossos Filhos, acabamos apresentando ao leitor um texto sobre a morte por suicídio no recorte de um determinado segmento etário e próximo de nós: os nossos jovens gaúchos. Assim, no final descobrimos que o título é, ou pode ser, um texto à parte. O título tem que sugerir conteúdo mas, ao mesmo tempo, também pode ser a conclusão confirmando ou negando o texto; ou até mesmo ser uma abstração poética, a cereja do bolo.
 Talvez o melhor título para este texto teria sido “O Pacto de Suicídio dos Nossos Filhos”, pois incluiria o tema principal (o suicídio) no título como uma manchete sobre um pacto dramático envolvendo os filhos do leitor. Mas a palavra suicídio é tabu até para servir de título, imagine dos nossos filhos, nem pensar.  Por isso amenizamos o título com o seu equivalente oriental, tido como um pacto heroico dos samurais, cujo nexo o leitor só irá perceber nesta última frase, no haraquiri fulminante do autor cravando o ponto final que causa o fim de todos os textos sob qualquer título.

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