A
expressão colocada acima, no título do texto, terá sido um bom título se conseguir
passar de antemão a ideia de que o texto vai tratar do seu título, ou seja, vai
esmiuçar a conexão que o título deve ter com o conteúdo do texto. No caso aqui,
o título parece indicar que o texto vai tratar sobre a morte, a partir do seu
enfoque simbólico no haraquiri. Claro que a morte é um espectro muito amplo,
vai desde as questões físicas e emocionais, até as transcendentais religiosas e
as metafísicas filosóficas. “A Morte na Juventude”, por exemplo, propõe um tema
bem diverso do que “A Morte na Velhice”, mas ambos títulos já seriam eficientes
o bastante para restringirem a visada de modo a delimitar que um ou outro
assunto o leitor iria encontrar na abordagem do texto.
Ainda
assim, mesmo “A Morte na Juventude” pode tratar de inúmeros recortes, como as
mortes de jovens causadas por doenças, ou por envolvimento com drogas em
acidentes de trânsitos, em assassinatos, bem como por suicídios. Um bom título
deveria fechar mais o foco, tipo assim: “A Morte por Suicídio na Juventude”,
sob o qual o leitor esperaria encontrar informações estatísticas e geográficas
da ocorrência deste fenômeno social. Com este título o leitor acharia natural
ficar sabendo que no Rio Grande do Sul há o mais alto índice de suicídios do
país, maior do que o dobro da taxa do Brasil, e que alguns municípios gaúchos
têm índices superiores aos dos gelados e sombrios países escandinavos que são
os campeões em depressão no mundo. Talvez o leitor até se alarmasse um pouco em
saber que cerca de 25% dos suicídios praticados por aqui, na região do pampa e
da “Estética do Frio” (onde a pressão por “ser alguém na vida” é maior, devido
à influência da colonização europeia), são de suicidas jovens com menos de 30
anos.
Sob este título o leitor poderia ficar sabendo que muitos adolescentes manifestam em redes
sociais a solidão e abandono em que se encontram, e anunciam que vão se
suicidar, em gritos sem ecos, pois ninguém acredita ou entende. Ou que, pelo
contrário, há casos de suicídios assistidos e incentivados pela internet. O leitor talvez nem quisesse ficar sabendo dos
detalhes sórdidos: que o consumo de pesticidas, o enforcamento e as armas de
fogo são os métodos mais comuns adotados. Mas, passivo às informações textuais,
pelo menos o leitor ficaria sabendo que esta é uma tragédia silenciosa que não
dá nos jornais. Não há divulgação por tabu e por medo que notícias diárias de
ocorrências acabem incentivando ondas de suicídios entre as tribos urbanas e entre
os lavradores interioranos.
Recentemente,
porém, este tabu foi rompido no caso de um pacto de suicídios entre
adolescentes na serra gaúcha, quando a morte de duas meninas e o ferimento de outras
três que cortaram os pulsos, ganharam as manchetes das capas dos jornais por
vários dias. Naturalmente que os pais não notaram nada de estranho nos
comportamentos das suas filhas e foram surpreendidos pela tragédia. Uma notícia chocante assim nos faz perceber
que ninguém está livre, com tantas atribulações em nossas correrias diárias por
“comida, diversão e arte”, de sofrer esta cruel cilada do destino com um dos
nossos próprios filhos. Deus nos livre e proteja, amém!
Suicídios
são os haraquiris dos psicóticos tempos modernos globalizados, caro leitor, hoje
realizados em rituais discretos. Nós, os pais nascidos na era do rádio e que
vivemos desatentos entre tantas informações em rede, muitas vezes sequer
percebermos as que realmente são relevantes para as nossas vidas no momento
certo, só tardiamente quando Inês já é morta: e o diabo que nos carregue!
Talvez o melhor título para este texto teria
sido “O Pacto de Suicídio dos Nossos Filhos”, pois incluiria o tema principal (o
suicídio) no título como uma manchete sobre um pacto dramático envolvendo os
filhos do leitor. Mas a palavra suicídio é tabu até para servir de título, imagine
dos nossos filhos, nem pensar. Por isso
amenizamos o título com o seu equivalente oriental, tido como um pacto heroico
dos samurais, cujo nexo o leitor só irá perceber nesta última frase, no
haraquiri fulminante do autor cravando o ponto final que causa o fim de todos os
textos sob qualquer título.
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