domingo, 13 de abril de 2014

Agora sou um idoso, e com pouco cabelo.

          Agora eu sou um idoso! Ariano do segundo decanato de abril, acabei de completar os meus 60 anos de idade. Conquistei, com isso, o meu passaporte com o título de “pessoa preferencial”. Ganhei o direito de furar as filas, usar as vagas de estacionamento indicadas com a figura de um velhinho de bengala e simulando dor nas costas, e agora posso andar de ônibus com passe livre de idoso ( sem desertar do Bloco de Lutas pelo passe livre para todos!). Mas, depois  dos sessenta, muitas transformações se processam na alma e  no corpo do ser humano na face da terra e, no meu caso, no humano biologicamente classificado como masculino. As mutações não são restritas aos machos por opção sexual, elas atingem a todos indiscriminadamente e, cada vez mais, atinge aos humanos geneticamente femininos que invadiram todas as praias do gênero oposto, e que agora descobrem na própria pele as contra-indicações e o stress de estar no comando.
          Um dos aspectos mais característicos, por sua visibilidade escancarada, são as metamorfoses que ocorrem no couro cabeludo das cabeças  dos homens nesta fase etária. Dos tantos longos topetes negros tipo Elvis na juventude, são pouquíssimos que chegam a ter topete branco, a maioria perde o topete todo pelo caminho. Passado a fase que “dói cada cabelo branco que nasce”, passam rapidamente pela etapa de que “dói cada cabelo que cai ”, e chegam ao calvário da migração de mechas dos cabelos da cabeça para o ralo do box do chuveiro, que dói todas as manhãs. É o calvário da calvície anunciada.
         A esta altura da vida, o sexagenário certamente já voltou decepcionado de uma primeira consulta ao dermatologista sobre calvície, aos constatar que ele é careca.  Depois ficamos desencorajados ao vermos tanta gente famosa, na televisão e no cinema, que ganha a vida com a exposição pública de sua imagem, que sobrevivem conformadas com o fato de que as perdas dos pelos da cabeça é uma coisa natural da vida. Temos todos que nos submetermos aos ditames do destino e das heranças genéticas, bem como a tantas outras perdas mais graves, além das  perdas estéticas, que a idade vai impondo na saúde do homem comum.
             O ralo do box do chuveiro entope e provoca inundações emocionais tal o tamanho da peruca que reúne toda a semana, enquanto o espelho vai captando a sequência de imagens com mudanças sutis. Mudanças que, por serem infinitesimalmente consecutivas, vão delineando o roteiro de um filme curta-metragem com a câmera fixa em close no topete: do penteado ondulado para trás evolui para um corte lambido para o lado e, no quadro seguinte, já é um penteado para a frente, com uma rala franjinha ridícula evoluindo para uns esparsos fios espalhados para todos os lados  até, Deus nos livre, o último recurso de tentar cobrir o tampo, passando os cabelos lambidos de uma lado para o outro da cabeça. 
           Uma alternativa péssima é a que insiste em lhe oferecer o seu calvo cabeleireiro preferido,  o qual já investiu o preço de um carro novo na implantação de alguns míseros fios de cabelo em sua própria cabeça e que, do alto de sua larga experiência, insiste em querer pintar os seus preciosos cabelos brancos. O cara não consegue entender que o seu  problema não é a cor dos cabelos, é a quantidade deles, e que eles iriam cair ainda mais se sofressem a  agressão de uma tintura artificial. Faz parte do marketing do ofício dele, resista.
Mas, com a grande evolução da bio-genética do novo milênio, ciência que preconiza a realização do clone humano, já é hora de começar a surgir cabeludos dermatologistas velhinhos. Os alquimistas vão chegar já-já com a fórmula da poção mágica que manterá em sua cabeça estes últimos fios de cabelos, vestígio do que foi o seu topete. Mas, se ainda lhe resta um tufo de cabelos frontais, desde já esteja consciente de que estás com um carro novo na cabeça, pois este seria o preço equivalente para implantares esse mesmo chumaço que se mantém heroicamente enraizado nessa sua cabeça já semi-nua.
Agora sou um idoso, e com pouco cabelo (exceto nas orelhas e no nariz, de onde cabelos saem como aranhas da toca)! E não é só a testa que cresce em direção à nuca, com a chegada da andropausa a barriga e as bochechas também crescem como balões murchos, com estrias e rugas. Em compensação, tudo na vida tem suas compensações valiosas: ganhei o direito a pagar meia entrada em cinemas, teatros e shows. Acreditem, vale a pena envelhecer vivo!

2 comentários:

  1. Sigo no mesmo e inexorável caminho tão lindamente trilhado por grandes figuras humanas que souberam tão bem nos indicar, lucidamente, através de seus comportamentos, o quão bela é a vida em qualquer tempo. Ainda mais a partir dos 60 anos Celso, que faço em fev/2015 e aí então atingirei os emolumentos em ser idoso, assim como tive, e tivemos, as benesses da juventude. A resignação consciente nos aconselha nessa etapa da vida. Boa caminhada meu camarada e arriba, adelante. "O conhecimento nos faz responsáveis". Che Guevara.

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